quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Teatro Obrigatório

Os gregos nos fascinam. Não é atoa que volta e meia ficamos meio saudosistas: como devia ser boa a Antiguidade Grega. Os macedônios os admiravam e helenizaram metade do mundo conhecido. Os romanos os copiaram: transferiram o Panteão com outros nomes, usaram as estátuas gregas de fôrma. Os renascentistas ressuscitaram sua cultura: mediam-se pelo grego parâmetro. Os iluministas discutiram sua política: lá eles deveriam ser livres. Pelo menos nos tempos de Péricles, parece que tudo funcionava, todos tinham voz. Ora, até as relações homoeróticas eles encaravam de outra forma. Parece que retrocedemos. Eles tinham até o teatro obrigatório! Mas será que queremos mesmo os gregos de novo?
Benjamin Constant condenará os gregos em seu famoso discurso Da liberdade dos antigos comparada com a dos modernos, pronunciado em 1819. Explica que a liberdade à moda grega, na qual os cidadãos ativos tinham que ir à Ágora (e às Dionisíacas) deliberar com seu braço erguido, obrigatoriamente e com soldo pelo dia de trabalho perdido, não é mais compatível com a liberdade dos modernos. A liberdade dos antigos fora imitada na fase do Terror, e trouxera as conseqüências conhecidas por ser uma liberdade positiva – os indivíduos tem de dizer “sim”. Quem não é por nós é contra nós. A liberdade dos modernos, também pela incompatibilidade numérica, deveria ser liberdade negativa – se o indivíduo não quer participar ativamente das decisões (ou do teatro), que tenha o direito de dizer “não” e escolher alguém que o represente.
“Esta liberdade [dos antigos] compunha-se mais da participação ativa no poder coletivo que do gozo pacífico da independência individual; até mesmo para garantir esta participação era necessário que os cidadãos sacrificassem em grande parte aquele gozo; mas é absurdo exigir hoje esse sacrifício, é impossível obtê-lo na época histórica a que os homens chegaram”.
A liberdade individual, repito, é a verdadeira liberdade moderna. A liberdade política é a sua garantia e é, portanto, indispensável. Mas pedir aos povos de hoje para sacrificar, como os de antigamente, a totalidade de sua liberdade individual à liberdade política é o meio mais seguro de afastá-los da primeira, com a conseqüência de que, feito isso, a segunda não tardará a lhe ser arrebatada.

Esse é, de fato, o conceito de liberdade que mais se aproxima do nosso. Diz-se alhures que uma das características do pós-modernismo é o individualismo, que se traduz certas vezes em hedonismo irresponsável, inconseqüente e preguiçoso. De fato, se exagerarmos na liberdade de dizer « não » é o caso de a democracia se tornar falta de interesse político. Ou como já previu Benjamin Constant
“O perigo da liberdade moderna resulta da circunstância de, por estarmos exclusivamente absorvidos no gozo da nossa independência privada e na prossecução dos nossos interesses particulares, renunciarmos facilmente ao nosso direito de participação no poder político [e do teatro]”.
A indiferença política (aqui associada à indiferença artística) se configura de duas formas: nos países democráticos onde o voto é facultativo se traduz em abstinência; e nos países onde o voto é obrigatório reina a negligência em relação ao que se passa no governo, notadamente quando os cidadãos nem ao menos se lembram dos seus candidatos. Tudo nos leva a concluir que a liberdade vem acompanhada de seu excesso.
O texto Teatro Obrigatório, que dá amálgama ao trabalho assistido, do ator e dramaturgo alemão Karl Valentin (1882-1948), só vem nos mostrar que o Teatro é algo muito político.
Portanto, na política vão ficando aqueles que ganham dinheiro para representar. E no teatro, vão ficando aqueles que querem ganhar dinheiro para representar. Se por decretos estatais voltássemos a ser gregos, oxalá: acabaria o faturamento dos políticos e começaria o faturamento dos atores.