terça-feira, 27 de outubro de 2015

PASSA

Tanta gente
que passa pela gente
umas nos alisam como um pente,
outras a gente nem sente,
outras bagunçam o cabelo da gente,
e ficam na mente,
e deixam o coração batente,
outras se vão insensivelmente.
Já dizia vovô, sabiamente:
Passa boi, passa boiada.

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

O caminho

#ocaminho #operipatético #perder-se #vamosfugir #éprajá

#sapos


sábado, 10 de outubro de 2015

CANÁRIOS NARCISISTAS

Amarelo dourado, simpáticos e lindos são esses canários. Cintilantes à luz do dia, eles são magníficos colírios, além de cantores. Agradam aos olhos e aos ouvidos, e por isso acessam os corações com facilidade tal como fazem os músicos virtuosos e belos. Singelo amarelo solar. Apaixonantes. Indefesos e livres, inofensivos e raros.
Os daqui são tão apaixonantes que se apaixonaram por si mesmos. Pousam nos retrovisores dos carros e descobrem no reflexo possíveis parceiros tão lindos, raros e amarelos quanto eles. Tamanha beleza encanta, mas não canta. Não responde aos piados, mas ilude que corresponde. Quando o canário vai lá olhar, o outro de lá vai também. É um amor tão recíproco o de retrovisor. Dá lhes tesão, embora não tenha consumação do ato.
E os canários ficam longas horas nessa revoada narcisista. Gastam seu tempo nessa punhetação improdutiva, à primeira vista, mas que produz, no fundo no fundo, auto-estima. Não mata mesmo. Esse espelho não afoga como no mito do belo Narciso. É só amor!
Não vou contar pros canários amarelos que aquilo é uma ilusão. Vou deixá-los esvair suas energias consigo mesmos nesses aparatos reflexivos. À noitinha, estarão exaustos e dormirão em poleiros de nuvens, apaixonados e leves. Bastam os retrovisores… bastam a si mesmos. E só assim serão ótimos parceiros de ninho. Amar é não precisar do outro e voar. Só é amor quando cada um se basta o bastante.
Os daqui são tão apaixonantes que se apaixonaram por si mesmos. Pousam nos retrovisores dos carros e descobrem no reflexo possíveis parceiros tão lindos, raros e amarelos quanto eles. Tamanha beleza encanta, mas não canta. Não responde aos piados, mas ilude que corresponde. Quando o canário vai lá olhar, o outro de lá vai também. É um amor tão recíproco o de retrovisor. Dá lhes tesão, embora não tenha consumação do ato.E os canários ficam longas horas nessa revoada narcisista. Gastam seu tempo nessa punhetação improdutiva, à primeira vista, mas que produz, no fundo no fundo, auto-estima. Não mata mesmo. Esse espelho não afoga como no mito do belo Narciso. É só amor!Não vou contar pros canários amarelos que aquilo é uma ilusão. Vou deixá-los esvair suas energias consigo mesmos nesses aparatos reflexivos. À noitinha, estarão exaustos e dormirão em poleiros de nuvens, apaixonados e leves. Bastam os retrovisores… bastam a si mesmos. E só assim serão ótimos parceiros de ninho. Amar é não precisar do outro e voar. Só é amor quando cada um se basta o bastante.Os daqui são tão apaixonantes que se apaixonaram por si mesmos. Pousam nos retrovisores dos carros e descobrem no reflexo possíveis parceiros tão lindos, raros e amarelos quanto eles. Tamanha beleza encanta, mas não canta. Não responde aos piados, mas ilude que corresponde. Quando o canário vai lá olhar, o outro de lá vai também. É um amor tão recíproco o de retrovisor. Dá lhes tesão, embora não tenha consumação do ato.E os canários ficam longas horas nessa revoada narcisista. Gastam seu tempo nessa punhetação improdutiva, à primeira vista, mas que produz, no fundo no fundo, auto-estima. Não mata mesmo. Esse espelho não afoga como no mito do belo Narciso. É só amor!Não vou contar pros canários amarelos que aquilo é uma ilusão. Vou deixá-los esvair suas energias consigo mesmos nesses aparatos reflexivos. À noitinha, estarão exaustos e dormirão em poleiros de nuvens, apaixonados e leves. Bastam os retrovisores… bastam a si mesmos. E só assim serão ótimos parceiros de ninho. Amar é não precisar do outro e voar. Só é amor quando cada um se basta o bastante. (Max Hebert, Dunas de Itaúnas, 2015)

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

DISTÂNCIAS

À distância de um braço vemos dos pés à cabeça.
À distância de um braço é a mais segura.
À distância de um braço decidimos se é melhor distanciar ou aproximar.
À distância de um braço é que se conversa.
À distância de um braço passa uma moto.
A distância de um braço é o primeiro passo pra distância de um palmo.


À distância de um palmo olhamos nos olhos.
À distância de um palmo sentimos a respiração.
À distância de um palmo é melhor ficar calado.
À distância de um palmo estamos vulneráveis.
À distância de um palmo é silenciosa mas é como se berrássemos.
À distância de um palmo é vai ou racha.
A distância de um palmo é o primeiro passo pra distância de um dedo.


À distância de um dedo sentimos o calor.
À distância de um dedo estamos farejando odores.
À distância de um dedo eriçamos os pêlos.
À distância de um dedo é causa ganha.
À distância de um dedo não dá pra recuar.
A distância de um dedo é a véspera do toque.

sábado, 30 de maio de 2015

A PROVA QUE AS PESSOAS DESEJAM O MAL

Caminhões tombados
são pesadelos
que realizam sonhos.

Caminhão tombado
é o caos instaurado
é tudo dado
a ordem é levar.

Caminhão tombado
de leite condensado
é um sonho
pra véspera de feriado.

Caminhão tombado
de cerveja
vai tudo embora
antes que eu veja.

Caminhão tombado
é democracia,
distribuição de renda,
só alegria.

Caminhão tombado
de instrumento musical
é sonho da banda
de rock metal.

Caminhão tombado
que seja sem ferido,
o prejuízo é do seguro
ou do desprevenido.

Caminhão tombado
com a carga pra pegar:
ficou tudo intacto,
era livro escolar.



quinta-feira, 6 de novembro de 2014


É fácil amar um homem sem falar,
Difícil é amar um homem sem falo.

FUJONA

Acaba de acontecer uma coisa inusitada. São 23 horas e 30 minutos, aproximadamente. Tendo em conta que as galinhas dormem por volta das 18 horas, já está na hora de elas estarem no terceiro ou quarto sono. Eu saio de casa sozinho como fiz no dia em que encontrei o lixo da Dona Ana K. B. Dax. Fui dar uma de notívago, fiz um tour na praça, recebi olhares, passei desapercebido por outros notívagos, e contornei o quarteirão, perto do Mercado Central. Quando tive uma visão inesperada. Impressionantemente, no meio de uma das principais artérias da cidade, vinha correndo na minha direção uma galinha. Virou a esquina de supetão, batendo suas asas em fuga. Uma galinha no meio da noite, quando deveria estar empoleirada, é como uma bola que quicando na rua anuncia que atrás vem uma criança. Atrás da galinha desesperada, naturalmente, vinha um gordo de camisa pólo vermelha listada de branco. Ele queria garantir sua propriedade, seu alimento, sua mercadoria, seu achado. Aquela fujona não ficaria impune. Passou um ônibus e assustou o galináceo, que deu meia volta, porém logo percebeu que no seu percalço estava, naturalmente, o gordo de camisa pólo. Ela mudou novamente a rota de fuga e, de novo, se assustou com os veículos. Perdi ela de vista por alguns segundos, e quando a revi, estava estrebuchando e batendo as asas porque fora atropelada. O gordo pegou a moribunda pelos pés, tomando cuidado para que não respigasse sangue nas suas roupas, e foi embora no lucro com o almoço de amanhã.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

REFLORESTAMENTO

-Está achando que dinheiro dá em árvore? - disse o pai quando o filho pediu.
-Papai, dinheiro é de que?
-De papel.
-E o papel vem de onde?
-Da árvore.

DINHEIRO

-Cada um com seu dinheiro – disse o capitalista.
-Dinheiro pra cada um – respondeu o socialista.
-O dinheiro de cada um é dom de Deus – pregou o pastor.
-Se cada um me desse uma moedinha... – falou o mendigo.
-Cada um passa o dinheiro! – gritou o assaltante.
 

terça-feira, 29 de julho de 2014

ANÁLISE DA ANÁLISE DO BANQUEIRO

O analista do banco Santander disse que se Dilma ganhar as iminentes eleições diminuir-se-á a confiança do mercado na economia do país. Dilma ficou furiosa com a análise e repudiou esse tipo de pronunciamento tendencioso. Eu não. Eu agradeço, porque a análise do banqueiro confirma a polaridade entre os candidatos ao sufrágio. Mais do que nunca, agora, nós que não olhamos apenas para nossos umbigos sabemos em quem não devemos votar!
Aécio Neves ...
seria portanto o candidato que representa a confiança do mercado financeiro, esse mesmo que tem lucros estratosféricos superados a cada ano por um novo recorde de faturamento, em cima, claro, de nossas cacundas. O candidato que os bancos desejam representa, assim, a concentração de renda, e por conseguinte, o aumento da desigualdade social. A sua adversária representa em contrapartida a continuidade da distribuição de renda, a diminuição da desigualdade, a inserção dos historicamente excluídos, etc.
De forma clara, considerando os favoritos nesse pleito temos a direita contra a esquerda, os ricos-banqueiros-coxinhas-individualistas versus a classe-média-baixa-tilelê-igualitária. Considerando que o teu voto te representa, e na democracia ganha a maioria, no Brasil sabemos quem é a maioria.
(Max Hebert)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O AMOR NOS TEMPOS DO NÃO


Adalberto foi um cara insistente. Sempre conseguia tudo o que queria com a birra, a lábia ou a insistência. Desde pequeno foram dando sinais ao Adalberto de que o ‘não’ era raro, e que não havia não tão não que não pudesse ser transformado em sim. Gostava de repetir aos quatro ventos alguns refrões de suas canções de juventude, proclamando lustradas fórmulas melodiosas de auto-confiança: tente outra vez; quem acredita sempre alcança, quem não arrisca não petisca.

Exceto com ela, que durante todos esses anos negou qualquer carinho e afeto ao Adalberto, seu admirador nada secreto. Mas Adalberto era moço bem humorado, decidido, intrépido nas suas escolhas.

Na quinta série Adalberto era franzino, com o rosto cheio de espinhas, desconjuntado, desinteressante, enfim, adolescente, e era natural que levasse um não da moça, que também nem era lá grandes coisas, mas figurava entre as mais-ou-menos da escola.

Mas como todos os que não são interrompidos, Adalberto cresceu, e ficou interessante. E de tanto insistir, malgrado os sucessivos nãos, conseguiu um dia o tão desejado sim. E porque conseguiu, foi procurar outros nãos para combater.

Pois pra Adalberto, amar é combater o não.




quarta-feira, 25 de junho de 2014

PREZADO DESPREZO,


Gostaria de dizer-te umas palavrinhas. Odeio-te, desprezo-te profundamente, desprezo. Você é um sentimento viscoso, asqueroso, desprezível. Foi você que pregou Jesus na cruz. Eu sei, desprezo, a culpa pelo Holocausto também é sua. O Papa não te suportou, desprezo, quando você impediu as mãos dos cardeais alemães de responderem ao aperto de mão. Nas profundezas de uma prisão o preso me disse que sofre de desprezo. Você é cruel!

Quem é você? Qual a tua origem? Quem são teus pais, tua família, teus irmãos? Você é tão estranho... Viria tu da soberba? Viria tu do desfalque? Viria tu do despeito? Viria tu do fracasso? Andei pesquisando sua árvore genealógica, desprezo, sei que você é primo-irmão do desdém e da mágoa, e que tem parentesco próximo com o egoísmo.

Não, desprezo, se foi amor, não pode se tornar desprezo. Como você pode nascer do amor, desprezo? Desprezo, você é tão duro, esse orgulho não era amor.

Desprezo, será que você é culpa do desprezado? Será que o desprezo só existe porque o desprezado é mesmo desprezível? Sei lá. Você é uma flecha da qual eu não quero ser o arco.

Prezado desprezo, prezo pela amizade, pelo companheirismo, pelo respeito. Não quero ter-te, mas o que fazer se existem pessoas que te me causam? E não estou falando dos já desprezados mendigos, dos despossuídos, nem dos parasitas. Não estou falando em escala social, desprezo. Refiro-me a você na esfera pessoal. Estou falando dos que me desprezam, desprezo. Como não desprezar os que são egoístas e mesquinhos? Que menosprezaram o meu apreço? Desprezo, às vezes você é tão recíproco.

Isto é um adeus, desprezo. Some da minha vida! Não te quero nunca mais!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

FERNANDA TAKAI, PLATONICAMENTE

Quando eu era adolescente no interior de Minas, o meu amor platônico era a Fernanda Takai do Pato Fu. Eu adorava as músicas (ainda adoro, aliás). Sua voz suave me acalmava, aquela ambiguidade de menininha que cantava rock, eu achava ela a coisa mais linda desse mundo, cabelo curtinho super estiloso, minha namorada ideal teria cabelos curtos e pele branquinha igual a Fernanda Takai. Linda!

Então, aconteceu um fato que fez meu coração bater mais forte. Eu passei na UFMG, e dali a alguns meses iria morar em Belo Horizonte. E ela morava em Belo Horizonte! A hipotética possibilidade de encontrar a Fernanda Takai me fez perder a razão numa daquelas noites em que a gente fica deitado olhando o teto sem conseguir dormir, fantasiando e sonhando acordado querendo pegar no sono. Eu iria frequentar a FAFICH, a mesma faculdade que ela havia frequentado nos anos 90. Ah, se um dia eu trombasse com a Fernanda, ia dizer tudo o que eu sentia por ela. Era um delírio adolescente ficar pensando que ela ia me dar bola, mas era tão gostoso ficar delirando no escuro que eu me deixava levar. E até me vislumbrava casado com a Fernanda Takai. Era tão largo o meu horizonte de expectativas...

Aí, veio minha primeira desilusão amorosa. Eu descobri que a Fernanda Takai era casada, e com o John Ulhoa! O John?! Eu não podia acreditar. Nunca tinha reparado, mas comecei a achar ele feio demais pra ela. Tudo bem que ele era um puta artista, um guitarrista foda, um arranjador do caralho, mas… enfim, superei logo.

Vim morar em Belo Horizonte, e obviamente nunca cruzei com ela pela FAFICH. Lá estudei o que era horizonte de expectativa e espaço de experiência, e o meu espaço de experiência foi dilatando enquanto o horizonte de expectativa minguando, como é natural na vida. Assim, minha paixão platônica por Fernanda Takai foi ficando pra trás como coisa de adolescente. Ainda a admiro como artista, claro! Esses dias mesmo estava lendo um livro dela, A mulher que não queria acreditar, em algum lugar ela fala que é do tipo que pede pra tirar fotos, e vai atrás do ídolo pedindo pra cantar com ele, e que assim ela já realizou vários sonhos, mas que o Paul Mccartney ainda não respondeu.

Ironia do destino, eu acabei de encontrar a Fernanda Takai pela primeira vez, ao vivo, na portaria do Music Hall. Tinha ido ver um espetáculo-cabaré do FIT, e quando a vi eu já estava um pouco atordoado, porque tinham me vendido ingresso errado, para o show do dia seguinte, eu já estava sem chão porque tinha perdido a viagem quando ela chegou, descendo do carro, sozinha. Perdi o tino. Era agora ou nunca. Eu precisava dizer pra ela que era muito fã do trabalho dela, dizer que estava lendo um livro dela, que queria sei lá um dia tocar com ela, que eu sou músico também, pedir que ela gravasse uma música minha, que eu… ai vai, toma coragem, fala vai. Eu fiquei nesse vou-não-vou adolescente, e ela parada, encostada na parede como uma simples mortal, mexendo no celular, tão perto de mim, a dois passos. Fiquei com medo de parecer um fã meloso, tietando a coitada que foi se divertir. Mas eu precisava dizer que meu sonho era tocar com ela, era necessário, agora eu vou, até que, num impulso, ela foi em direção a entrada, o John havia chegado, entraram, e eu fiquei parado com meu ingresso pra dia seguinte na mão, sem poder fazer nada!

Aí eu lembrei o que queria dizer “amor platônico”. Mas um dia eu ainda vou falar tudo o que está engasgado aqui. Quem sabe ela lê isso,quem sabe um dia um programa de TV de domingo à tarde me dê de presente um dia de príncipe ao lado de Fernanda Takai, quem sabe ela divorcia do John, quem sabe… é hora de dormir.

Belo Horizonte, 24|05|2014 às 5:09 da manhã.

terça-feira, 27 de maio de 2014

A FACA E O QUEIJO

Sobre a peça “Esta não é uma peça infantil” do CEFAR-2014


Fui ver a mesma peça dois dias seguidos. No primeiro dia, o público estava escasso, várias cadeiras vazias. No segundo dia estava lotado, pessoas sentadas até no carpete do chão. Eu que gosto de assistir a plateia, sondar suas reações, fiquei impressionado como nós atores somos reféns do público. Como precisamos dele. Só o público generoso te permite doar-se por inteiro.

“Esta não é uma peça infantil”, a peça de formatura do Palácio da Artes que assisti no primeiro dia não foi a mesma do segundo dia. Claro, isso é óbvio. Nunca é a mesma coisa. Entretanto, foi muito gritante os fluxos de energia e a vibração que houve no segundo dia. E não foi culpa dos atores, da direção, da técnica ou da encenação. Foi do público. Estava faltando um pedaço. No primeiro dia, sai com a impressão de que os atores estavam com a faca e o queijo na mão, mas algo não aconteceu. As palavras ditas foram as mesmas, as ações estavam milimetricamente executadas, mas não chegaram a me tocar. Por que isso? Não é intrigante? Pois as palavras foram ditas quase do mesmo jeito! Mas aí está o segredo, o mágico do teatro: não foram ouvidas do mesmo jeito. É tudo uma questão de vibração. O teatro depende mais do espectador do que a gente imagina. O ator tem um sensor interno que carrega suas baterias quando ele sabe que está sendo ouvido. A catarse é um fenômeno coletivo, e quanto mais numerosa a plateia, maiores e mais intensas as emoções.

Fico me perguntando como fica essa questão da catarse quando temos uma peça intimista e com público reduzido. Basta pensar num jogo de futebol com o estádio lotado e com o estádio meia-boca. Pode ser essa a proposta da peça, mas perdendo em número, perde-se também em potência, não?

A peça em questão merece ser vista, em cartaz até domingo no Mercado Novo. O figurino está ótimo, a maquiagem linda, a atuação interessantíssima, e Alice está maravilhosa neste país. Mas convide para ir contigo muitos amigos, colegas, desconhecidos, transeuntes e demais interessados. Vai ser melhor, eu garanto.

Max Hebert

Belo Horizonte, 28-05-2014

domingo, 16 de março de 2014

NÃO IMPORTA

Não importa o que você faça, ficarão coisas por fazer.

Não importa que você diga, ficarão coisas por dizer.

Não importa que tenha coragem, o medo está à espreita.

Não importa suas certezas, é tudo uma grande dúvida.

Não importa os filmes que viu, qualquer vida merece um filme.

Não importa a sua originalidade, os clichês são sábios.

Não importa que você acabe, termine e finalize, ainda assim será infinito.

Não importa o tempo cósmico quando é tão difícil preencher o tempo interior.

Não importa os cuidados que tem, a poeira se acumula e as torneiras pingarão.

Não importa ter saúde se a gente só se dá conta da sua importância quando perde.

Não importa os poetas pra quem é embrutecido.

Não importa o high-tech pra quem colhe o que come.

Não importa o tempero para o morto de fome.

Não importa a pobreza da moldura se o quadro é belo.

Não importa os pés-de-galinha quando a beleza está nos olhos.

Não importa o que digam ou pensem de você, isso realmente não importa, mas você vai sempre achar que importa.

Não importe, se o teu país produz.

Não importa os fins se me justifico pelos meios.

Não importa um peido pra quem tá todo cagado.



(Max Hebert. Elói Mendes 16 de março de 2013

sábado, 15 de fevereiro de 2014

ORAÇÃO


Aos deuses peço apenas nada ter que lhes pedir.

quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

Minha Filosofia


Max Hebert

A minha filosofia é duvidar de todas as verdades prontas.

A minha filosofia é acreditar em todas as verdades particulares.

A minha filosofia é somar.

A minha filosofia é trocar, barganhar, escambar.

A minha filosofia é pós-conceitual.

Na minha escola filosófica não haverão cursos ou aulas. Haverão oficinas.

A minha filosofia tem ares de provinciana e suspeita do universal imbuído dos que se amontoam verticalmente.

A minha filosofia é comunitária, sem abrir mão do narcisismo intrínseco.

A minha filosofia é libertária, sem pretenções revolucionárias, embora saiba da sua urgência.

A minha filosofia não tem medo de gente, mas tem preferências.

A minha filosofia sabe dos lobos humanos. Por isso é desconfiada e os mantém afastados.

A minha filosofia é ter pouco pra pouco ter a perder.

A minha filosofia é menos oração, mais meditação.

A minha filosofia não é terapêutica, não é preventiva, nem tampouco homeopática.

A minha filosofia é impulsiva e entregue às aventuras.

A minha filosofia é o acaso.

As minhas filosofias são muitas,

e nenhuma.


segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Elogio do Traste

- Boa tarde.
- Boa tarde. Pra onde vamos?
- Pra qualquer lugar. Toca pra frente, senhor.
Senhora Helena era uma mulher de meia idade, usava um vestido florido, cheirava um perfume excessivamente doce, usava um cabelo loiro falso, brincos dourados e vários anéis de cassiterita nos dedos gordos. Só queria mesmo alguém pra conversar, aliás, alguém que a ouvisse, e nenhum psicólogo mais barato e acessível que um taxista.
Senhor Nilo era experiente, e como taxista que se preza, não fazia perguntas antes que o passageiro puxasse conversa. Por isso, foi depois de alguns minutos de silêncio que Helena perguntou.
- O senhor é casado?
- Sim senhora, faz 25 anos.
- Eu também já fui casada, 10 anos. Foi a pior fase da minha vida! No começo ele era o homem que eu tinha pedido a Deus, um príncipe, educado, trabalhador. O senhor é homem trabalhador, de bem, eu sinto...
- Modéstia a parte, sou sim.
- ...o senhor me desculpe, mas homens como o senhor é só o que eu não quero mais na minha vida!
- E por quê? – perguntou, um pouco decepcionado por ter sido rejeitado sem mesmo qualquer investida – geralmente as mulheres querem homens de bem, trabalhadores, fiéis...
- O senhor me desculpe mais uma vez, mas homens dessa última espécie simplesmente não existem! Podem ser fiéis por um bom tempo, mas não o tempo todo! Mas o que eu quero dizer é que eu prefiro o homem traste!
- Ah, então a senhora não terá dificuldade de encontrar – riram os dois com muito exagero, até jogando a cabeça pra trás, ele mostrando as obturações dos dentes, ela batendo palminhas.
- Poisé! O homem traste tem várias vantagens, meu senhor! O homem traste está sempre presente. Ele é disponível porque não gosta de trabalhar. O senhor, por exemplo, vai ficar nesse taxi até que horas?
- Até às 10 da noite.
- Está vendo? E quando o senhor chegar em casa vai querer dormir, ou se muito assistir televisão. O homem traste já fica o dia inteiro na televisão, com as pernas pra cima, aí às 10 da noite ele está descansado! Aí quando eu estou com preguiça de dirigir, eu peço pra ele me levar. No meu carro, claro. Depois ele vai dar uma zoada com o meu carro até quase o fim do tanque, mas tudo bem, porque quando eu quiser, ele vem me buscar. E se ele não puder, eu pego um taxi.
- Mas então quer dizer que o seu homem vive às custas da senhora?
- Meu senhor, dinheiro não é problema pra mim. Eu só não gosto de ser iludida, e os homens trabalhadores me iludem, estão sempre ocupados...
- Mas para os filhos é melhor ter um pai trabalhador que um pai traste, não é?
- Aí é que o senhor se engana! O pai trabalhador só tem tempo pros filhos nos fins de semana. O pai traste brinca com as crianças, leva elas pra praia. Criança pequena precisa de ócio, e o traste tem isso pra oferecer.
- Mas ensina maus hábitos...
- Isso é relativo. Isso depende e muito do ponto de vista. Por exemplo, eu acho o seu trabalho um mau hábito. Olha a sua barriga!
-Minha senhora, eu só estou fazendo o meu trabalho, e a senhora está me insultando desde que entrou no meu taxi. E afinal, está indo pra onde?
-Pode virar à esquerda. Mas o senhor me desculpe se ofendi, não era minha intenção.
O taxista deu uma rabiscada de olho no retrovisor pra checar a sinceridade do pedido de desculpa.
- E agora?
- Esquerda... – disse sem nenhuma certeza – Aliás, vou descer aqui. Aqui está, fique com o troco.
A conversa tinha acabado. Helena sabia bem que os trastes eram incorrigíveis, e tinha confirmado a suspeita: os trabalhadores eram mesmo incorruptíveis.
Uberaba, 23 de dezembro de 2011.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Amor Triângulo

Um amor triângulo é muito melhor que um amor quadrado!
No quadrado os lados são iguais,
Gire o quadrado, e ele está como antes.
O triângulo é plural, imprevisível. As posições infinitas.
O triângulo agrada gregos(as) e troianos(as).
O quadrado está em toda parte, é comum demais...
na janela, no quarto, no carro,
nos botões do controle remoto
no escritório,
no matrimônio.
O triângulo está em coisas mais eternas
na Santíssima Trindade,
no Δmém,
nas Pirâmides,
nos portais,
nos pingentes,
nas pontas,
nas palhetas,
nas torres,
nas bandeiras que gritam por LIBERDADE.