segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Elogio do Traste

- Boa tarde.
- Boa tarde. Pra onde vamos?
- Pra qualquer lugar. Toca pra frente, senhor.
Senhora Helena era uma mulher de meia idade, usava um vestido florido, cheirava um perfume excessivamente doce, usava um cabelo loiro falso, brincos dourados e vários anéis de cassiterita nos dedos gordos. Só queria mesmo alguém pra conversar, aliás, alguém que a ouvisse, e nenhum psicólogo mais barato e acessível que um taxista.
Senhor Nilo era experiente, e como taxista que se preza, não fazia perguntas antes que o passageiro puxasse conversa. Por isso, foi depois de alguns minutos de silêncio que Helena perguntou.
- O senhor é casado?
- Sim senhora, faz 25 anos.
- Eu também já fui casada, 10 anos. Foi a pior fase da minha vida! No começo ele era o homem que eu tinha pedido a Deus, um príncipe, educado, trabalhador. O senhor é homem trabalhador, de bem, eu sinto...
- Modéstia a parte, sou sim.
- ...o senhor me desculpe, mas homens como o senhor é só o que eu não quero mais na minha vida!
- E por quê? – perguntou, um pouco decepcionado por ter sido rejeitado sem mesmo qualquer investida – geralmente as mulheres querem homens de bem, trabalhadores, fiéis...
- O senhor me desculpe mais uma vez, mas homens dessa última espécie simplesmente não existem! Podem ser fiéis por um bom tempo, mas não o tempo todo! Mas o que eu quero dizer é que eu prefiro o homem traste!
- Ah, então a senhora não terá dificuldade de encontrar – riram os dois com muito exagero, até jogando a cabeça pra trás, ele mostrando as obturações dos dentes, ela batendo palminhas.
- Poisé! O homem traste tem várias vantagens, meu senhor! O homem traste está sempre presente. Ele é disponível porque não gosta de trabalhar. O senhor, por exemplo, vai ficar nesse taxi até que horas?
- Até às 10 da noite.
- Está vendo? E quando o senhor chegar em casa vai querer dormir, ou se muito assistir televisão. O homem traste já fica o dia inteiro na televisão, com as pernas pra cima, aí às 10 da noite ele está descansado! Aí quando eu estou com preguiça de dirigir, eu peço pra ele me levar. No meu carro, claro. Depois ele vai dar uma zoada com o meu carro até quase o fim do tanque, mas tudo bem, porque quando eu quiser, ele vem me buscar. E se ele não puder, eu pego um taxi.
- Mas então quer dizer que o seu homem vive às custas da senhora?
- Meu senhor, dinheiro não é problema pra mim. Eu só não gosto de ser iludida, e os homens trabalhadores me iludem, estão sempre ocupados...
- Mas para os filhos é melhor ter um pai trabalhador que um pai traste, não é?
- Aí é que o senhor se engana! O pai trabalhador só tem tempo pros filhos nos fins de semana. O pai traste brinca com as crianças, leva elas pra praia. Criança pequena precisa de ócio, e o traste tem isso pra oferecer.
- Mas ensina maus hábitos...
- Isso é relativo. Isso depende e muito do ponto de vista. Por exemplo, eu acho o seu trabalho um mau hábito. Olha a sua barriga!
-Minha senhora, eu só estou fazendo o meu trabalho, e a senhora está me insultando desde que entrou no meu taxi. E afinal, está indo pra onde?
-Pode virar à esquerda. Mas o senhor me desculpe se ofendi, não era minha intenção.
O taxista deu uma rabiscada de olho no retrovisor pra checar a sinceridade do pedido de desculpa.
- E agora?
- Esquerda... – disse sem nenhuma certeza – Aliás, vou descer aqui. Aqui está, fique com o troco.
A conversa tinha acabado. Helena sabia bem que os trastes eram incorrigíveis, e tinha confirmado a suspeita: os trabalhadores eram mesmo incorruptíveis.
Uberaba, 23 de dezembro de 2011.