quinta-feira, 6 de novembro de 2014


É fácil amar um homem sem falar,
Difícil é amar um homem sem falo.

FUJONA

Acaba de acontecer uma coisa inusitada. São 23 horas e 30 minutos, aproximadamente. Tendo em conta que as galinhas dormem por volta das 18 horas, já está na hora de elas estarem no terceiro ou quarto sono. Eu saio de casa sozinho como fiz no dia em que encontrei o lixo da Dona Ana K. B. Dax. Fui dar uma de notívago, fiz um tour na praça, recebi olhares, passei desapercebido por outros notívagos, e contornei o quarteirão, perto do Mercado Central. Quando tive uma visão inesperada. Impressionantemente, no meio de uma das principais artérias da cidade, vinha correndo na minha direção uma galinha. Virou a esquina de supetão, batendo suas asas em fuga. Uma galinha no meio da noite, quando deveria estar empoleirada, é como uma bola que quicando na rua anuncia que atrás vem uma criança. Atrás da galinha desesperada, naturalmente, vinha um gordo de camisa pólo vermelha listada de branco. Ele queria garantir sua propriedade, seu alimento, sua mercadoria, seu achado. Aquela fujona não ficaria impune. Passou um ônibus e assustou o galináceo, que deu meia volta, porém logo percebeu que no seu percalço estava, naturalmente, o gordo de camisa pólo. Ela mudou novamente a rota de fuga e, de novo, se assustou com os veículos. Perdi ela de vista por alguns segundos, e quando a revi, estava estrebuchando e batendo as asas porque fora atropelada. O gordo pegou a moribunda pelos pés, tomando cuidado para que não respigasse sangue nas suas roupas, e foi embora no lucro com o almoço de amanhã.

terça-feira, 2 de setembro de 2014

REFLORESTAMENTO

-Está achando que dinheiro dá em árvore? - disse o pai quando o filho pediu.
-Papai, dinheiro é de que?
-De papel.
-E o papel vem de onde?
-Da árvore.

DINHEIRO

-Cada um com seu dinheiro – disse o capitalista.
-Dinheiro pra cada um – respondeu o socialista.
-O dinheiro de cada um é dom de Deus – pregou o pastor.
-Se cada um me desse uma moedinha... – falou o mendigo.
-Cada um passa o dinheiro! – gritou o assaltante.
 

terça-feira, 29 de julho de 2014

ANÁLISE DA ANÁLISE DO BANQUEIRO

O analista do banco Santander disse que se Dilma ganhar as iminentes eleições diminuir-se-á a confiança do mercado na economia do país. Dilma ficou furiosa com a análise e repudiou esse tipo de pronunciamento tendencioso. Eu não. Eu agradeço, porque a análise do banqueiro confirma a polaridade entre os candidatos ao sufrágio. Mais do que nunca, agora, nós que não olhamos apenas para nossos umbigos sabemos em quem não devemos votar!
Aécio Neves ...
seria portanto o candidato que representa a confiança do mercado financeiro, esse mesmo que tem lucros estratosféricos superados a cada ano por um novo recorde de faturamento, em cima, claro, de nossas cacundas. O candidato que os bancos desejam representa, assim, a concentração de renda, e por conseguinte, o aumento da desigualdade social. A sua adversária representa em contrapartida a continuidade da distribuição de renda, a diminuição da desigualdade, a inserção dos historicamente excluídos, etc.
De forma clara, considerando os favoritos nesse pleito temos a direita contra a esquerda, os ricos-banqueiros-coxinhas-individualistas versus a classe-média-baixa-tilelê-igualitária. Considerando que o teu voto te representa, e na democracia ganha a maioria, no Brasil sabemos quem é a maioria.
(Max Hebert)

segunda-feira, 28 de julho de 2014

O AMOR NOS TEMPOS DO NÃO


Adalberto foi um cara insistente. Sempre conseguia tudo o que queria com a birra, a lábia ou a insistência. Desde pequeno foram dando sinais ao Adalberto de que o ‘não’ era raro, e que não havia não tão não que não pudesse ser transformado em sim. Gostava de repetir aos quatro ventos alguns refrões de suas canções de juventude, proclamando lustradas fórmulas melodiosas de auto-confiança: tente outra vez; quem acredita sempre alcança, quem não arrisca não petisca.

Exceto com ela, que durante todos esses anos negou qualquer carinho e afeto ao Adalberto, seu admirador nada secreto. Mas Adalberto era moço bem humorado, decidido, intrépido nas suas escolhas.

Na quinta série Adalberto era franzino, com o rosto cheio de espinhas, desconjuntado, desinteressante, enfim, adolescente, e era natural que levasse um não da moça, que também nem era lá grandes coisas, mas figurava entre as mais-ou-menos da escola.

Mas como todos os que não são interrompidos, Adalberto cresceu, e ficou interessante. E de tanto insistir, malgrado os sucessivos nãos, conseguiu um dia o tão desejado sim. E porque conseguiu, foi procurar outros nãos para combater.

Pois pra Adalberto, amar é combater o não.




quarta-feira, 25 de junho de 2014

PREZADO DESPREZO,


Gostaria de dizer-te umas palavrinhas. Odeio-te, desprezo-te profundamente, desprezo. Você é um sentimento viscoso, asqueroso, desprezível. Foi você que pregou Jesus na cruz. Eu sei, desprezo, a culpa pelo Holocausto também é sua. O Papa não te suportou, desprezo, quando você impediu as mãos dos cardeais alemães de responderem ao aperto de mão. Nas profundezas de uma prisão o preso me disse que sofre de desprezo. Você é cruel!

Quem é você? Qual a tua origem? Quem são teus pais, tua família, teus irmãos? Você é tão estranho... Viria tu da soberba? Viria tu do desfalque? Viria tu do despeito? Viria tu do fracasso? Andei pesquisando sua árvore genealógica, desprezo, sei que você é primo-irmão do desdém e da mágoa, e que tem parentesco próximo com o egoísmo.

Não, desprezo, se foi amor, não pode se tornar desprezo. Como você pode nascer do amor, desprezo? Desprezo, você é tão duro, esse orgulho não era amor.

Desprezo, será que você é culpa do desprezado? Será que o desprezo só existe porque o desprezado é mesmo desprezível? Sei lá. Você é uma flecha da qual eu não quero ser o arco.

Prezado desprezo, prezo pela amizade, pelo companheirismo, pelo respeito. Não quero ter-te, mas o que fazer se existem pessoas que te me causam? E não estou falando dos já desprezados mendigos, dos despossuídos, nem dos parasitas. Não estou falando em escala social, desprezo. Refiro-me a você na esfera pessoal. Estou falando dos que me desprezam, desprezo. Como não desprezar os que são egoístas e mesquinhos? Que menosprezaram o meu apreço? Desprezo, às vezes você é tão recíproco.

Isto é um adeus, desprezo. Some da minha vida! Não te quero nunca mais!

segunda-feira, 2 de junho de 2014

FERNANDA TAKAI, PLATONICAMENTE

Quando eu era adolescente no interior de Minas, o meu amor platônico era a Fernanda Takai do Pato Fu. Eu adorava as músicas (ainda adoro, aliás). Sua voz suave me acalmava, aquela ambiguidade de menininha que cantava rock, eu achava ela a coisa mais linda desse mundo, cabelo curtinho super estiloso, minha namorada ideal teria cabelos curtos e pele branquinha igual a Fernanda Takai. Linda!

Então, aconteceu um fato que fez meu coração bater mais forte. Eu passei na UFMG, e dali a alguns meses iria morar em Belo Horizonte. E ela morava em Belo Horizonte! A hipotética possibilidade de encontrar a Fernanda Takai me fez perder a razão numa daquelas noites em que a gente fica deitado olhando o teto sem conseguir dormir, fantasiando e sonhando acordado querendo pegar no sono. Eu iria frequentar a FAFICH, a mesma faculdade que ela havia frequentado nos anos 90. Ah, se um dia eu trombasse com a Fernanda, ia dizer tudo o que eu sentia por ela. Era um delírio adolescente ficar pensando que ela ia me dar bola, mas era tão gostoso ficar delirando no escuro que eu me deixava levar. E até me vislumbrava casado com a Fernanda Takai. Era tão largo o meu horizonte de expectativas...

Aí, veio minha primeira desilusão amorosa. Eu descobri que a Fernanda Takai era casada, e com o John Ulhoa! O John?! Eu não podia acreditar. Nunca tinha reparado, mas comecei a achar ele feio demais pra ela. Tudo bem que ele era um puta artista, um guitarrista foda, um arranjador do caralho, mas… enfim, superei logo.

Vim morar em Belo Horizonte, e obviamente nunca cruzei com ela pela FAFICH. Lá estudei o que era horizonte de expectativa e espaço de experiência, e o meu espaço de experiência foi dilatando enquanto o horizonte de expectativa minguando, como é natural na vida. Assim, minha paixão platônica por Fernanda Takai foi ficando pra trás como coisa de adolescente. Ainda a admiro como artista, claro! Esses dias mesmo estava lendo um livro dela, A mulher que não queria acreditar, em algum lugar ela fala que é do tipo que pede pra tirar fotos, e vai atrás do ídolo pedindo pra cantar com ele, e que assim ela já realizou vários sonhos, mas que o Paul Mccartney ainda não respondeu.

Ironia do destino, eu acabei de encontrar a Fernanda Takai pela primeira vez, ao vivo, na portaria do Music Hall. Tinha ido ver um espetáculo-cabaré do FIT, e quando a vi eu já estava um pouco atordoado, porque tinham me vendido ingresso errado, para o show do dia seguinte, eu já estava sem chão porque tinha perdido a viagem quando ela chegou, descendo do carro, sozinha. Perdi o tino. Era agora ou nunca. Eu precisava dizer pra ela que era muito fã do trabalho dela, dizer que estava lendo um livro dela, que queria sei lá um dia tocar com ela, que eu sou músico também, pedir que ela gravasse uma música minha, que eu… ai vai, toma coragem, fala vai. Eu fiquei nesse vou-não-vou adolescente, e ela parada, encostada na parede como uma simples mortal, mexendo no celular, tão perto de mim, a dois passos. Fiquei com medo de parecer um fã meloso, tietando a coitada que foi se divertir. Mas eu precisava dizer que meu sonho era tocar com ela, era necessário, agora eu vou, até que, num impulso, ela foi em direção a entrada, o John havia chegado, entraram, e eu fiquei parado com meu ingresso pra dia seguinte na mão, sem poder fazer nada!

Aí eu lembrei o que queria dizer “amor platônico”. Mas um dia eu ainda vou falar tudo o que está engasgado aqui. Quem sabe ela lê isso,quem sabe um dia um programa de TV de domingo à tarde me dê de presente um dia de príncipe ao lado de Fernanda Takai, quem sabe ela divorcia do John, quem sabe… é hora de dormir.

Belo Horizonte, 24|05|2014 às 5:09 da manhã.

terça-feira, 27 de maio de 2014

A FACA E O QUEIJO

Sobre a peça “Esta não é uma peça infantil” do CEFAR-2014


Fui ver a mesma peça dois dias seguidos. No primeiro dia, o público estava escasso, várias cadeiras vazias. No segundo dia estava lotado, pessoas sentadas até no carpete do chão. Eu que gosto de assistir a plateia, sondar suas reações, fiquei impressionado como nós atores somos reféns do público. Como precisamos dele. Só o público generoso te permite doar-se por inteiro.

“Esta não é uma peça infantil”, a peça de formatura do Palácio da Artes que assisti no primeiro dia não foi a mesma do segundo dia. Claro, isso é óbvio. Nunca é a mesma coisa. Entretanto, foi muito gritante os fluxos de energia e a vibração que houve no segundo dia. E não foi culpa dos atores, da direção, da técnica ou da encenação. Foi do público. Estava faltando um pedaço. No primeiro dia, sai com a impressão de que os atores estavam com a faca e o queijo na mão, mas algo não aconteceu. As palavras ditas foram as mesmas, as ações estavam milimetricamente executadas, mas não chegaram a me tocar. Por que isso? Não é intrigante? Pois as palavras foram ditas quase do mesmo jeito! Mas aí está o segredo, o mágico do teatro: não foram ouvidas do mesmo jeito. É tudo uma questão de vibração. O teatro depende mais do espectador do que a gente imagina. O ator tem um sensor interno que carrega suas baterias quando ele sabe que está sendo ouvido. A catarse é um fenômeno coletivo, e quanto mais numerosa a plateia, maiores e mais intensas as emoções.

Fico me perguntando como fica essa questão da catarse quando temos uma peça intimista e com público reduzido. Basta pensar num jogo de futebol com o estádio lotado e com o estádio meia-boca. Pode ser essa a proposta da peça, mas perdendo em número, perde-se também em potência, não?

A peça em questão merece ser vista, em cartaz até domingo no Mercado Novo. O figurino está ótimo, a maquiagem linda, a atuação interessantíssima, e Alice está maravilhosa neste país. Mas convide para ir contigo muitos amigos, colegas, desconhecidos, transeuntes e demais interessados. Vai ser melhor, eu garanto.

Max Hebert

Belo Horizonte, 28-05-2014

domingo, 16 de março de 2014

NÃO IMPORTA

Não importa o que você faça, ficarão coisas por fazer.

Não importa que você diga, ficarão coisas por dizer.

Não importa que tenha coragem, o medo está à espreita.

Não importa suas certezas, é tudo uma grande dúvida.

Não importa os filmes que viu, qualquer vida merece um filme.

Não importa a sua originalidade, os clichês são sábios.

Não importa que você acabe, termine e finalize, ainda assim será infinito.

Não importa o tempo cósmico quando é tão difícil preencher o tempo interior.

Não importa os cuidados que tem, a poeira se acumula e as torneiras pingarão.

Não importa ter saúde se a gente só se dá conta da sua importância quando perde.

Não importa os poetas pra quem é embrutecido.

Não importa o high-tech pra quem colhe o que come.

Não importa o tempero para o morto de fome.

Não importa a pobreza da moldura se o quadro é belo.

Não importa os pés-de-galinha quando a beleza está nos olhos.

Não importa o que digam ou pensem de você, isso realmente não importa, mas você vai sempre achar que importa.

Não importe, se o teu país produz.

Não importa os fins se me justifico pelos meios.

Não importa um peido pra quem tá todo cagado.



(Max Hebert. Elói Mendes 16 de março de 2013

sábado, 15 de fevereiro de 2014

ORAÇÃO


Aos deuses peço apenas nada ter que lhes pedir.