terça-feira, 27 de maio de 2014

A FACA E O QUEIJO

Sobre a peça “Esta não é uma peça infantil” do CEFAR-2014


Fui ver a mesma peça dois dias seguidos. No primeiro dia, o público estava escasso, várias cadeiras vazias. No segundo dia estava lotado, pessoas sentadas até no carpete do chão. Eu que gosto de assistir a plateia, sondar suas reações, fiquei impressionado como nós atores somos reféns do público. Como precisamos dele. Só o público generoso te permite doar-se por inteiro.

“Esta não é uma peça infantil”, a peça de formatura do Palácio da Artes que assisti no primeiro dia não foi a mesma do segundo dia. Claro, isso é óbvio. Nunca é a mesma coisa. Entretanto, foi muito gritante os fluxos de energia e a vibração que houve no segundo dia. E não foi culpa dos atores, da direção, da técnica ou da encenação. Foi do público. Estava faltando um pedaço. No primeiro dia, sai com a impressão de que os atores estavam com a faca e o queijo na mão, mas algo não aconteceu. As palavras ditas foram as mesmas, as ações estavam milimetricamente executadas, mas não chegaram a me tocar. Por que isso? Não é intrigante? Pois as palavras foram ditas quase do mesmo jeito! Mas aí está o segredo, o mágico do teatro: não foram ouvidas do mesmo jeito. É tudo uma questão de vibração. O teatro depende mais do espectador do que a gente imagina. O ator tem um sensor interno que carrega suas baterias quando ele sabe que está sendo ouvido. A catarse é um fenômeno coletivo, e quanto mais numerosa a plateia, maiores e mais intensas as emoções.

Fico me perguntando como fica essa questão da catarse quando temos uma peça intimista e com público reduzido. Basta pensar num jogo de futebol com o estádio lotado e com o estádio meia-boca. Pode ser essa a proposta da peça, mas perdendo em número, perde-se também em potência, não?

A peça em questão merece ser vista, em cartaz até domingo no Mercado Novo. O figurino está ótimo, a maquiagem linda, a atuação interessantíssima, e Alice está maravilhosa neste país. Mas convide para ir contigo muitos amigos, colegas, desconhecidos, transeuntes e demais interessados. Vai ser melhor, eu garanto.

Max Hebert

Belo Horizonte, 28-05-2014

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