segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Tufos de cabelo


Hoje começaram a cair meus primeiros fios (ou diria tufos) de cabelo. Não! Não sou um cara em pleno tratamento contra o câncer... Não entoemos loas de glória pela saúde, não é nenhum mérito – e o que não é mérito louvores não merece. Sim, é simples sintoma da calvície (ou a calvície em si). O fato é que nem todo calvo é um careca. Não necessariamente: geneticamente sou um calvo, mas não sou careca ainda.
Na verdade, quem é calvo por razões naturais não marcou em sua agenda que ‘hoje começou a cair o meu cabelo’. E um processo lento e gradual – como diria algum general –, ou paulatino seria a palavra certa? De fato, não houve um dia no qual meu cabelo começou a cair, ele sempre caiu. Minha tia, cabeleireira, disse-me outrora que eu fizesse um teste constatador da calvície – daquela sem volta. Pano branco (pode ser pano-de-prato), mãos à cabeleira, faz de conta que é um vento... é como se você tivesse sacudindo o pó dos seus cabelos... isso, tire marimbondos que grudaram nele! Conte: deu mais que cinqüenta fios, já era. C’est la vie. Brevemente você será um Monsieur. Engraçado, eu não fiz esse teste (ainda). Medo de que o diagnóstico seja positivo.
Contudo, hoje eu acho que entendi o frigir dos ovos dessa história toda. Não vou procurar um dermatologista. Vou ser um careca, e isso vai ser muito legal. A careca confere um status ao calvo. Um careca bem sucedido é a coisa mais graciosa, desfilando com seus anos invejáveis. Só ele pode dizer ao seu garotão que “um dia foi bom com as garotas”. O gordo não, porque o gordo tem o estigma do “pode ser evitado”, a ele dizemos “você perdeu”, o que está subentendido um “vai morrer mais cedo do que eu” – pensamentos inconscientes. A calvície, tão lembrada, referida e marcante como a obesidade [Quem é esse mesmo? Ah, aquele careca (Ah, aquele gordinho)], tem a primazia de ser inevitável. O barrigudo passa a imagem do imóvel. O calvo pode perfeitamente passar a imagem de um cara bom de cama. E se ele bravejar que pode provar que ainda o é, não vira piada, como seria se fosse o gordo o bravejante da virilidade.
A calvície num intelectual, juiz, médico, professor de história ou de filosofia lhe imputa a autoridade de um sênior sem lhe incutir os pesos da velhice. Nestes termos, jamais a calvície pode ser apelidada de “um sinal da velhice”. Ela é um sinal da maturidade. Pela primeira vez eu amei a minha futura careca. Passar-lhe a mão; escorrer os dedos no liso da pele; sentir a fragilidade do tecido epitelial, que não fora forte o suficiente nem para segurar leves e finos fios de cabelo – tudo isso será um exercício de amor à experiência, que admiro naqueles que muito já viveram.
A fronte espaçosa em demasia será como as rugas, ensinará muitas coisas belas que o ‘não tê-las’ pode (ou não) excluir da compreensão. As rugas, penso, merece ser apertada com a ponta dos dedos cansados, enquanto a voz vacilante diz:
“Veja estas rugas. Você não sabe o quanto elas são belas. Você não sabe quanto de sol contribuiu para essa fadiga epitelial. Cultivada.”
A calvície, penso, merece receber tapinhas do seu dono em proferindo, brevemente, as palavras, como em oração:
“Cada fio que me caiu foi uma metáfora daquelas coisas que tentamos segurar e que insistem em escorrer pelo vão dos dedos – são as coisas que não merecem nosso lamento, pois, no fundo, não têm importância alguma!”

(Van Gogh)

Ponte Velha Elói Mendes - Paraguaçu, 18 de julho de 2008.

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