quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pão e Vidro


Pedro era vidraceiro.
Os tempos estavam difíceis. Os vidros separavam o pão da fome. Um ou outro atirava pedras, mas o alarme causava alarde. Roubar, no sentido laico do termo, ou seja, pegar o que dantes não nos pertencia, era coisa muito difícil por causa das câmeras que convidavam a um sorriso amarelo. Assaltar a padaria também era missão impossível porque o capitão Roncador havia adquirido exclusividade no assalto ao padeiro. Exigia somas avultosas em troca da exclusividade na ronda à padaria. Desigualdade bélica não se enfrenta.
Impossibilitado de conseguir pão com uma pedra, seu Pedro agiu: com o agiota Agenor agendou palavra. Aquele homem abastado e fanfarrão nunca fora furtado e não se furtava a comentários irônicos aos que procuravam seu saldo. Saudado à sua passagem, era homem popular junto ao populacho, acho que pelo bordel que administrava.
-Preciso precisamente de tantos dinheiros.
-Com quatro filhas daquelas e o senhor ainda passa fome? Que bom que veio conversar comigo! – pronunciou o agiota agenciador.
Agitado, Pedro peneirou dali. Aliás, se agisse, no agora o agiota agonizaria e o agouro aumentaria com o vidraceiro réu em flagrante.
Vingou-se com vidro em pó. No sábado sabotou sabiamente o saleiro e açucareiro do bordel. As hemorragias tingiram os lençóis, calcinhas, cuecas e corredores. O velório denunciou quem eram as putas e os fregueses. E o vidraceiro impune, como vilipêndio, doou um caixão de vidro à família do agiota, como paga da dívida e com fim de separar o corpo – pão dos vermes – dos vermes famintos.

Belo Horizonte, 13 de abril de 2010.

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