segunda-feira, 4 de julho de 2011

Ensaio Metodológico de História Cultural Comparada do Tempo Presente entre Brasil e França

“Contra a Guerra, a Revolução!” - Eu escuto no Primeiro de Maio em uma conferência da Internacional Comunista em Paris, organizada contra as guerras do Imperialismo Europeu em curso na Líbia e no Egito. São bem recentes aqui alguns episódios que estão na ordem do dia nos jornais que se entregam de graça nos metrôs dessa cidade tão século XIX. Saio indignado da conferência, porque os comunistas sabem das contradições do capitalismo: a França está enviando aviões cheios de bomba à Líbia, na África do Norte, contra o coronel Kadhafi, justificando-se nos jornais do metrô aos pais franceses que emprestam seus filhos à guerra dizendo que nós estamos enviando ajuda humanitária aos revoltosos que se levantam contra à ditadura libiana que já tem uns 40 de duração (1969). Essa é a mesma França que há duas semanas ameaçou de sair do espaço Schengen depois da “inaceitável irresponsabilidade” do governo italiano que concedeu 20 mil vistos à tunisianos, da mesma África do Norte à qual se envia ajuda humanitária. Os tunisianos chegaram às ilhas italianas em um navio clandestino. Ora, os tunisianos em sua maioria falam francês e têm parentes tentando a vida aqui na França e claro, com a liberdade de trânsito dentro do espaço Schengen, vieram direto pra França xenófoba de Sarko – que diga-se de passagem é odiado por todos os franceses que não vêem a hora das eleições do ano que vem para se livrarem desse pauvre con . Sarkosy teve que ir bater um papo com Berlusconi, primeiro ministro da Itália, pra revisar esse tal de espaço Schengen. Se você teve dificuldade de entender o que se passa aqui, não culpe a sua inteligência medíocre ou a minha escrita confusa.
A atual história da Líbia começa com sua independência da Itália em 1951, à qual segue um período de monarquia que teve fim com a ascensão da Liga Árabe em 1969, liderada pelo general Abdel Nasser, do Egito. É nesse contexto de protecionismo do petróleo e pan-arabismo que aparece o coronel Muammar Khadafi, que expulsou os efetivos militares estrangeiros e decretou a nacionalização das empresas, dos bancos e dos recursos petrolíferos do país. Desde então, Kadhafi está no poder, mas vem sofrendo ultimamente com a sublevação dos opositores de seu governo, que por sua vez são apoiados por uma coalizão internacional. Kadhafi teve semana passada sua casa bombardeada pelas forças da OTAN, lideradas pela França e com o apoio da ONU.
Em Benghazi, bastião dos rebeldes, houve comemoração com tiros para o alto durante esta madrugada (01 de maio) após o anúncio da morte de Saif al-Arab, filho mais novo de Kadhafi. Por essas e outras, sou um historiador se sentindo no eixo dos fatos. Até a pouco, os fatos beiravam à inexistência, nas páginas “internacionais” dos jornais brasileiros, ou nos comentários de Willian Bonner. A História ainda está acontecendo para eles.
Estudando História do Brasil, digo, História Geral à partir do Brasil, a gente se sente um pouco fora da História. Tudo parece tão longe, inalcançável. Nada nos concerne, e é bom que assim seja. O Brasil felizmente está à par e à parte da História deste velho continente. Eles, ao contrário, estão muito à par da nossa História, sobretudo a recente. Nós ficamos nos debruçando sobre a nossa História Colonial porque ainda estamos preocupados em nos entender, em construir nossa memória. A eles interessa a nossa História recente, a História das Relações Internacionais, a nossa diplomacia. Eles não falam em outra coisa que nos emergentes, na China-Índia-Brasil-África-do-Sul.
Eles criaram a História Cultural, a princípio, para efeitos de dominação, como convém ao McDonald’s saber que os muçulmanos não comem qualquer carne, mas que é imperativo que seja carne Hallal – proveniente de animais degolados segundo o preceito islã de sacrifício – e que para abrir sucursais de fast-foods pelo mundo árabe afora era necessário um selinho Hallal no Big Mac. Nós aprendemos a mesma História Cultural, mas aprendemos porque aquela outra História não nos convinha, era muito belicosa e somos pacifistas. Aprovamos, porque no fundo adoramos outras culturas. A História Cultural deles ainda nos domina, eles a sustentam para nos vender seus livros de cultura geral extremamente interessantes. Entretanto, o meu professor de História Contemporânea na Sorbonne não fala outra coisa que História Política, Diplomacia. Seus conselhos aos novos historiadores são do gênero “é preciso saber os conceitos de História Econômica, porque com essa crise, ela está em vias de voltar.”
A História para eles tem fins políticos, a História para nós é vendida em livraria como diversão de fim de semana. Nós falamos em aproximação da História e da Literatura e discutimos Hayden White, enquanto uma rápida passada de olhos pelo levantamento bibliográfico deles faz remarcar a palavra guerra. A política aqui acontece e controla a vida a das pessoas. A política no Brasil está ilhada no planalto central, e só acontece de quatro em quatro anos. A política externa no Brasil é passa-tempo para diplomata e meio de vida fácil – quem faz o curso de relações internacionais no Instituto Rio Branco está mais preocupado em viver uma vida tranqüila como cônsul ou embaixador, viajar de graça, etc. Os nossos embaixadores são escritores, ex-presidentes, poetas. Os embaixadores deles são hommes d’affaires, burocratas. A política externa brasileira não é um nó-cego como a deles, somos pacifistas e só metemos o nosso bedelho na política externa assumindo posições conciliatórias.
O Brasil está mais próximo da autarquia que eles, e isso os enche de inveja, sobretudo quando a crise dos outros bate-lhes a porta. O Brasil, sem querer, caminhou para a anarquia que eles teorizaram com maestria de utopistas, e aliás, tentaram tanto colocar em prática, sem sucesso. Eles abrem museus de arte africana como o Musée du Quai Branly, repleto de lindas peças arqueológicas trazidas quando da colonização, mas da raça negra não querem mais que estátuas de madeira e a mão de obra barata, que aliás, já é suficiente, não precisa vir mais ninguém! O Brasil tem mulatos. O Brasil foi colônia, eles ainda não perderam o espírito colonizador. O Brasil vive o presente, eles ainda falam em sonho europeu. A França é o país com a maior poupança do mundo, o Brasil é consumista e compra à prestação. Nós somos patriotas, eles são nacionalistas. O canibalismos para eles é barbárie, nós fazemos da antropofagia um movimento artístico. Nossos monumentos estão de braços abertos, os deles são arcos do triunfo e estátuas eqüestres.
Por essas e outras, o manifesto antropofágico caiu no esquecimento. Cansamos de engolir essa cultura elitista, nobre. Chegou a hora de vomitá-los. Mais que isso, vomitar sobre eles! Regorgitofágico.
Paris, 1 de Maio de 2011.

3 comentários:

  1. fez muito sentido lembrar que eu vi uma enciclopédia de banca sobre maio de 68 na mesa de um professor meu (de engenharia).

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  2. é meu caro, não importa a etiqueta, essa podridão travestida de soberba nobreza não nos desce mais, vamos vomitá-los sobre eles.

    "o hemisfério Sul não deve se tornar uma triste caricatura do Norte." Galeano.

    abraços max!

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  3. "Se você teve dificuldade de entender o que se passa aqui, não culpe a sua inteligência medíocre ou a minha escrita confusa."

    Essa frase apareceu donada no texto auehauehaeu...

    Bicho viver o que vc teve ai na europa é bagagem boa para me explicar. Te pago uma cerveja!

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